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A partir do Vaticano II, vamos ter que, neste sentido, passar ainda por um grande processo de re-evangelização, uma enorme mudança de mentalidade, uma profunda ‘terapia’ espiritual de nosso imaginário religioso católico. Sem querer, absolutamente, desmerecer o ministério ordenado, temos que de certa maneira reverter essa situação.
Para tanto, temos que ver a questão do sacerdócio com um ocular que nos leva a enxergar bem mais longe, para dentro da mais brilhante estrela a iluminar permanentemente a vida de cada um(a) de nós…
Vejamos primeiro o que diz a respeito o próprio Vaticano II, na Constituição Dogmática sobre a Igreja: “o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial… ordenam-se um ao outro, embora se diferenciem na essência e não apenas em grau. Pois ambos participam, cada qual a seu modo, do único sacerdócio de Cristo. O sacerdote ministerial, pelo poder sagrado de que goza, forma e rege o povo sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico na pessoa de Cristo e o oferece a Deus em nome de todo o povo. Os fiéis, no entanto, em virtude de seu sacerdócio régio, concorrem na oblação da Eucaristia e o exercem na recepção dos sacramentos, na oração e ação de graças, no testemunho de uma vida santa, na abnegação e na caridade ativa” (LG 10).
Mas como explicar então especificidade do sacerdócio ministerial (ou ministério ordenado)? Hoje os teólogos vêem que “a diferença, mais do que de natureza, é funcional: não principalmente em razão de algumas funções específicas que seriam exclusivas dos ministros, mas em razão da função global que desempenham no interior do organismo eclesial”. Neste nível devemos situar a afirmação do Vaticano II, quando afirma que o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial diferem “essencialmente e não apenas em grau”. A situação dos ministros no corpo de Igreja é “essencialmente” distinta daquela que ocupam os leigos, mas isto não significa que gozam de maior “dignidade” ou que estão “acima” deles.
“É importante que a Igreja… tenha consciência desta dependência sua de Cristo; que se sinta pre-venida pelo amor de seu Esposo, convocada, reunida, alimentada, salva pela palavra de Deus – Cristo morto e ressuscitado -; que recorde que não é fonte de si mesma, mas pura referência (‘sacramentum’) a Cristo e à sua salvação. Está em jogo a própria identidade da Igreja”.
Isto significa que o sacerdócio ministerial é também sinal da dependência da Igreja em relação a Cristo, de sua referência constante e obrigatória ao Cristo vivo, sem o qual não há Igreja. “Segundo estas premissas é preciso admitir que, embora continue fazendo parte do povo de Deus, o ministro ordenado está de alguma forma ‘diante’ dele (servindo a alteridade Cristo-Igreja) e ‘na frente’ dele (tem sua condição de sinal de Cristo cabeça). Se lhe faltasse este sinal, a Igreja não se reconheceria a si mesma como ‘Igreja de Cristo’”.
O Vaticano II quis significar tudo isso quando afirmou que os ministros da Igreja são “sinais de Cristo cabeça e pastor” (LG 28; PO 2, 6, 12; AG 39). Note-se que acrescentou a palavra “pastor” (LG 28 e PO 6). Certamente para evitar o perigo do excessivo verticalismo que a palavra “cabeça” poderia sugerir.
Portanto, sempre que age como ministro, não pode deixar de fazê-lo como “sinal de Cristo cabeça e pastor”. Precisamente nisto se resume “o específico” do ministério apostólico, o que diferencia dos ‘sacerdotes’ não ordenados.
“É, pois, um carisma de direção, de coordenação, de governo, de presidência, como corresponde à cabeça num organismo. Em última instância, o ministério sacerdotal é ministério da unidade, num sentido próprio e característico, no qual não o é o dos leigos. ‘Para que os fiéis se fundissem num só corpo, o mesmo Senhor constituiu alguns deles ministros” (PO 2). É responsabilidade sua fazer com que o serviço de todos seja um serviço de corpo, uma ‘diakonia’ corporativa”.
Perguntas:
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* Palestra proferida no dia 15/10/03, na 17a Semana de Liturgia, do Centro de Liturgia da Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, com 243 participantes de todas as partes do Brasil.
Cf. José Ariovaldo da Silva. “Sacrosantum Concilium” e reforma litúrgica pós- conciliar no Brasil. Um olhar panorâmico no contexto histórico geral da liturgia: dificuldades, realizações, desafios. In: CNBB. A sagrada liturgia 40 anos depois (= Estudos da CNBB 87). São Paulo, Paulus, 2003, p. 33-51.
Na liturgia das festas, eles lêem sempre de novo para os fiéis os relatos que fundamentam a fé. Por ocasião da renovação da Aliança, eles proclamam a Torá (Cf. Ex 24,7; Dt 27; Ne 8). Eles são intérpretes ordinários do livro da Lei, respondendo às consultas dos fiéis com instruções práticas, e exercem uma função de juiz (Cf. Ex 24,7; Dt 17.8-14; 27; 33,10; Ne 8; Jr 18,18; Ez 44,23s; Ag 2,11ss).
Vittorino Grossi. Sacerdócio dos fiéis. In: Angelo Di Berardino (Org.). Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs. Petrópolis/São Paulo, Vozes/Paulus, 2002, p. 1240.
De oratione 28,1-2. “Neste sentido, isto é, na ligação que existe entre o viver e o culto, os cristãos se consideram ‘sacerdotes da paz’, porque se opunham às violências do circo (Tertul., Spect. 16), falaram do ‘sacerdócio da viuvez’
(Tertul., Ad uxorem 1,7) e do ‘sacerdócio do martírio’ em ordem ao testemunho de Cristo (Cipr., Ep 77,3)” (Dicionário patrístico…, op. cit., ibid.).
Ignácio Oñatibia. Ministérios eclesiais. In: Dionísio Borobio. A celebração na Igreja II: Sacramentos. São Paulo, Loyola, p. 535.
Ibid., p. 536.
Ibid., p. 537.
Ibid., p. 538.
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